terça-feira, 28 de junho de 2011

O Massacre de Realengo-RJ e Bullying

Em 07 de abril de 2011, assistimos em estado de choque a cenas de violência desmedidas e inimagináveis. Todos ficamos preplexos e dificilmente algum pai deixou de se colocar no lugar daqueles que perderam seus filhos naquela tragédia. Durante horas e dias os noticiários encheram nossas casas de imagens terríveis ao ponto da saturação, até que, já anestesiados pela exposição massiva da mídia, paramos de falar e pensar no assunto. A Páscoa estava se aproximando e tinhamos de pensar nos ovos...de comprar e comprar e comprar.

Refiro me a tragédia que ocorreu em Realengo, no Rio de Janeiro, quando  Wellington Menezes  entrou numa escola no período de aula e começou a atirar, matando crianças inocentes.

Muitas questões de suma importância foram levantadas com esse episódio : segurança em escolas; doenças mentais (esquizofrenia foi a mais cogitada); isolamento social; bullying.

 Esperei até agora para me manifestar, pois fiquei aguardando o laudo oficial da psiquiatria forense para comentar o assunto. E tive de esperar porque esse laudo não apareceu, pelo menos não na grande mídia ou com fácil acesso pela internet. Estava prometido para um mês depois da tragédia, mas até agora nada..... Se alguém tiver alguma informação a respeito por favor me encaminhe.

Pois bem, essa falta de continuidade da mídia diante desses acontecimentos é sempre a mesma...mudou  a pauta e seguimos em frente. E nós como sociedade fazemos o mesmo. Passada a comoção geral, tocamos a vida um pouco mais calejados e deseacreditados na  humanidade - ou não- e seguimos para os próximos capítulos.

Mas acho importante voltar a isso pois, como disse, ali se falou muito em fatores traumáticos que desencadeiam episódios violentos, sobretudo o mais comentado do momento que é o Bullying. Assunto seríssimo, sem dúvida e que merecerá muitas discussões aqui, mas não agora. Tomarei emprestado um artigo de uma grande amiga, a psicoterapeuta Sâmara Jorge que escreveu algo muito profundo e sensível sobre o tema. Vou publicá-lo na integra a seguir.

Quero analisar a questão da doença mental e do preconceito em relação a ela e do isolamento social e nossa forma de lidar com isso.

Em primeiro lugar, muito se falou em esquizofrenia. E falou-se de forma tão leviana que assustou. Eu ouvi e presenciei o desespero de uma mãe, cujo filho é esquizofrênico e tem mais ou menos a idade de Wellington Menezes, pensando se um próximo surto do filho poderia desencadear trágedia semelhante.... Bem como a tristeza desta mesma mãe ao saber que seu filho seria ainda mais segregado por ser esquizofrênico daquele momento em diante.

Antes de mais nada alguns esclarecimentos:
  1. Wellington Menezes não cometeu aquele desatino por ser esquizofrênico e sim por nunca ter recebido tratamento adequado e não estar medicado.
  2. Ninguém pode afirmar se ele era ou não esquizofrênico, pois nunca passou por um diagnóstico que comprovasse ou não a doença e indicasse o tratamento.
  3. A esquizofrenia em si não faz de ninguém homicida, mas a falta de tratamento pode leva-lo na maioria das vezes ao suicídio e em casos extremos ao homicídio.
  4. O problema da esquizofrenia, como de toda e qualquer doença mental não é a doença em si, mas a falta de tratamento, medicação, desinformação, preconceito e exclusão social.
  5. Bullying é um problema social sério que leva questões psicológicas graves, mas por si só não leva ninguém a cometer destinos.
Mas por que diante deste acontecimento veio a tona esses assuntos???

Porque depois do estouro da boiada, todo mundo tinha algo a falar sobre a porteira.

Wellington Menezes passou a vida toda sendo como ele sempre foi. Os próprios depoimentos pós-tragédia confirmam isso. Era estranho, isolado, com tendências ao fanatismo religioso, filho de uma mãe biológica esquizofrênica, discriminado na escola, vítima de gozação e tudo mais que se falou a respeito dele. Ma somente depois dele ter colocado em prática todo desequlíbrio psíquico, ter partido para a ação é que as pessoas resolveram se manisfestar. Não antes.

Ele sempre foi assim. Todo mundo percebeu!  Família, escola, professores, colegas, vizinhos...todos sabiam que ele era "esquisito" e ninguém fez nada. Ao que parece a mãe adotiva teve alguma iniciativa de procurar ajuda psicológia, mas ele não aderiu ao tratamento e nunca saberemos o que esse profissional que o atendeu chegou a perceber sobre sua personalidade. Depois da morte da mãe( adotiva aqui é mais um preconceito, pois ela era a mãe verdadeira que cuidou dele, se preocupou com ele e tentou intervir de alguma forma), esse rapaz ficou a merce de sua própria sorte. Completamente abandonado com sua doença e a merce dela.

Para mim tão chocante como o fato dele ter assassinado tantas crianças é o fato da família dele tê-lo abandonado tão enormente que não quiseram nem reclamar o corpo deixando-o ser enterrado como indigente, quando todos sabiam quem ele era. Sinal de abandono maior não pode haver. Não vamos macular nossa família, nosso nome, nossas vidas nos identicando com esse monstro. Ele está morto...graças a Deus. Pode até ser por medo de repressálias que os familiares agiram assim, pois não duvido nem um pouco que essas repressálias e discriminações aconteceriam, tornando a vida dessas pessoas um inferno. Quem sou eu para critica-los diante disto. Só continuo afirmando que Wellington não foi abandonado em sua morte. Já havia sido abandonado muito antes disso, durante toda a sua vida.

E nós, da nossa conforatável posição social, quantos Wellingtons não estamos abandonando durante a vida?

Todos nós estudamos e sabemos das brincadeiras  e apelidos que se colocam nas escolas e nos casos mais sérios e duradouros, quando ocorre o que chamamos de Bullying. Todos sabemos, comentamos e não fazemos nada. Escola, professores, inspetores, alunos, faxineiros, seguranças e quem mais estiver nos ambiente escolar. Pais de alunos, famílias inteiras, todos sabemos, em maior ou menor grau. Sabemos e não fazemos nada. Não é da nossa conta , não vamos nos intrometer. Não é educado.

Mas quando explode uma tragédia desta vemos que estamos no mesmo barco.

Quem não sabe de um vizinho com comportamento meio estranho, mas não fazemos nada. No máximo morremos de dó da família, mas paramos por aí. Vivemos isolados em nossos mundinhos e esse comportamento do politicamente correto nos exime de nos intrometer em brigas de casais, em agressões a crianças, em situações de Bullying. Continuamos sentados em nossas posições confortáveis esperando pela próxima tragédia. Aliás o termo correto é intervir e não intrometer. Intervir e não se omitir. Nos isolamos atras das paredes de nossos mundos e apenas nos resignamos diante das tragédias sociais que presenciamos dia-a-dia.

Socialmente estamos sofrendo de isolamento social.

E não somente aqueles que vivem trancados em seus mundo, no interior de seus pequenos quartos.

Nós deixamos passar, para não nos comprometermos.

Nossa sociedade está gravemente enferma!

Não dá para discutir Bullying sem antes olharmos para nós mesmo e nos posicionarmos diante destes casos. Não dá mais para continuarmos a ver a doença mental com tanto preconceito e não nos comprometermos, nos engajarmos.

Enquanto não mudarmos nossa forma de intervir neste mundo continuaremos a ser passivos espectadores de tragédias anunciadas. Estaremos esperando a próxima.

Um comentário:

  1. Impressionante!!! Muito bem, Malú, você disse o que eu gostaria de dizer... e de uma maneira muito sensível e realista, fazendo com que cada um de nós reflexionemos sobre nossa maneira de ser e existir nesta sociedade doente... Você nos ajudou a pensar sobre o preconceito na área da saúde mental! Você se preocupou por estudar a problemática do bullyng e buscar soluções! Percebeu nosso isolamento, nossa falta de compromisso e ação, onde o que cada um "escolhe" é: manter os olhos e as bocas fechadas, e cômodamente... e monstruosamente condenar... aquilo que é condenável.... mas...sem haver tomado alguma medida... antes, e, como era de se esperar... insiste na inércia até que a próxima tragédia, ocorra! A sociedade fecha os olhos para a fome, para a pobreza, para a dor, para um sistema de saúde(principalmente mental) esquecido e negligenciado por "todos"... Um mundo de pessoas que infantilmente se nega a ver que a dor do outro é a dor da gente, queira ou não, aceite ou não, algo vai acontecer para que isso se torne evidente. Só que sempre isso acontece quando é tarde demais.
    Parabéns , Malú, e gracias, por contribuir para que as cabéças pensem, que os olhos vejam e que as mãos atuem.... porque já passou da hora disto acontecer!!!!

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