terça-feira, 5 de outubro de 2010

DIA DAS CRIANÇAS

- Mamãe porque existe o Dia das Crianças? Perguntou minha filha, muito muito séria.

Minha primeira reação foi dizer que era para vender brinquedos, mas achei muito cruel para uma criança de 7 anos antes da 8 hs da manhã.
Depois, ao longo dos dias, comecei a me lembrar ...

"No Ibirapuera tem competição, tem pra criançada muita distração. Pegue o papaizinho e leve pela mão"

"Eu devia ter por volta de 8 ou 9 anos, e lá fomos a família toda para o Salão da Criança. As filas eram intermináveis, mas a quantidade de brinquedos e brindes também. O gosto de um "leitinho", mocoquinha eu acho, é uma das lembranças mais doces e intensas desta fase da minha infância."

Bem talvez houvesse, afinal, algo além de vender brinquedos por trás do Dia das Crianças, que eu pudesse explicar para minha filha. Comecei a pesquisar.

Você sabia que o Dia da Criança foi criado por um deputado federal brasileiro, em 1920  e sancionado pelo presidente Arthur Bernades, em 1924. A data escolhida  era 12 de outubro e a intenção era homenagear as crianças? Mas somente em 1960, num evento conjunto entre a Fabrica de Brinquedos Estrela e a Johnson & Johnson, é que o antigo decreto  voltou a ser lembrado.

Muitos países  comemoram esse dia em datas diferentes, mas a ONU estabelece o dia 20 de novembro como Dia Internacional das Crianças, data em que foi aprovada a Declaração dos Direitos das Crianças.

Nos anos 60 o Brasil passava por um período de euforia política e um promissor desenvolvimento econômico agitava os empresários. Na década de 70, quando eu fui ao Salão da Criança, os dias eram negros, mas éramos embalados pela promessa do país do futuro, belo conto para criancinhas. Brinquedos eram caros e ganhá-los, só mesmo em datas especiais como natal e aniversários.

Hoje, numa economia globalizada, onde em qualquer esquina encontramos bugigangas made in China, ou made in qualquer outro país que consiga coloca-las com um preço menor que o de mercado. Onde uma criança pode ganhar 4 brinquendos por mês, 48 brinquedos por ano ou 336 em 7 anos, somente indo comer uma vez por semana fora de casa. O despropósito do Dia da Criança fica mais gritante ainda.

Viver em uma sociedade que precisa de um orgão internacional para nos dizer que nossas crianças têm direito à vida, a serem bem-tratadas, à saúde e educação, condições óbvias para a própria continuidade da espécie, já é de uma hipocrisia ímpar. Agora, reafirmar o Dia das Crianças como o dia do consumo pelo consumo é uma devastadora insanidade.

Há uma completa inversão de valores e o jargão "é melhor Ser do que ter", já está puído de tão usado. Mas é mais fácil comprar do que estar com os filhos; é mais fácil ceder o que dizer não; e é infinitamente mais gostoso dizer sim a enfrentar um dia inteiro de bico e cara emburrada. O prof. Dr Içami Tiba usou uma frase ótima (entre tantas outras) num artigo sobre esse tema. Um alerta para não transformarmos o Dia da Criança, no "Dia da Birra da Criança", que é o elas fazem quando não conseguem o presente que queriam.

Essa inversão chegou a tal ponto que muitas vezes as crianças vão à aniversários preocupadas com o que receberão de lembrancinhas  e não em comemorar, celebrar o aniversariante. O ato de presentear envolve afeto, significa dar algo ao outro porque ele é importante. É me abstrair de mim mesmo e doar algo ao outro, com carinho, com sinceridade, como um agrado. É por isso que as divindades presenteiam e nós, humanos, fazemos oferendas. Presentear pode ser também, num trocadilho, presentificar, o ato de tornar presente; tornar-se presente na vida de alguém; dar-nos de presente (nós e nosso melhor tempo) aos nossos filhos.

No sentido específico dos brinquedos, uma criança precisa de bem pouco para ser saudável. Sabe quando temos a certeza de que nossos filhos estão bem? Quando estamos em casa e não escutamos o barulhos de televisão, de videogames ou coisa parecida. Escutamos apenas pequenos ruídos, às vezes sem sentido, frases soltas, músicas inventadas e cantaroladas por eles, em solilóquio (falando consigo mesmo), imersos em seu mundo imaginário. Depois de um período assim de brincadeira não dirigida, sem monitoramento de adultos, sem tecnologias, eles emergem quase sempre famintos, serenos  e lindos, com aquele brilho nos olhos que só criança pode ter. 

(Ah! para ouvir isso é preciso estar em casa).

Depois disto tudo acho que a minha resposta para minha filha ficou um pouco pior e espero ter sensibilidade suficiente para não quebrar os sonhos de uma criança e ao mesmo tempo conseguir passar um pouco destes valores; conseguir protegê-la do consumo fútil e vazio. Infelizmente não tenho nada nem parecido com uma sugestão para este fim. Também entrarei numa loja de brinquedos e escolherei algo. Só tenho a certeza de que esse presente virá acompanhado de um monte de afeto.

Tentarei transformar o "Dia da Criança" num "DIA DE CRIANÇA", onde o brincar seja mais importante que o brinquedo. Onde o ESTAR PRESENTE seja melhor do que dar presentes.